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cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR

N.º 9

SETEMBRO 2017

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A gastronomia e a cozinha são, nas sociedades

crescentemente urbanizadas, meios privilegiados

de ligação das pessoas ao território, ao campo, à

diversidade vegetal e animal, pelo que possibilitar

o acesso a diferentes sabores, a todos os consumi-

dores, deve constituir um objetivo dos seus inter-

venientes. A gastronomia, seja a alta cozinha ou a

cozinha tradicional, são coerentes se forem um ato

criativo no fim de uma cadeia que começa na pro-

dução das matérias-primas alimentares e termina,

numa ligação contínua, numa refeição individual

ou em comunhão. A criatividade culinária, caso se

reduza a um ato de alienação criativa, é um exercí-

cio não sustentável que separa artificialmente a ali-

mentação do meio.

Na alimentação, mesmo tendo em conta excessos

indulgentes ou défices individuais voluntários, não

é só a oferta que deve respeitar a procura. A procura

também deve respeitar a oferta, as suas peculiari-

dades locais e os seus ritmos sazonais. Esse é um

equilíbrio que equivale ao termo sustentabilidade

e é um elemento que confere valor à gastronomia,

pois a banalização rapidamente leva ao desinte-

resse e à sua desvalorização.

Como é referido por Maria Manuela Valagão no seu

contributo para a Secção “Grandes Tendências”, a

nossa cozinha é a paisagem posta na panela

[e]

a

recuperação das cozinhas tradicionais e dos produ-

tos alimentares que as constituem é também uma

forma de valorizar as especificidades territoriais e

das suas paisagens. Estas, por sua vez, são resultado

da simbiose entre património natural e património

cultural, através de uma presença humana concer-

tada com o equilíbrio ambienta

l.” A autora defende

uma patrimonialização destes recursos alimenta-

res do nosso meio rural, não apenas numa pers-

petiva de conservação, mas sobretudo enquanto

meio para gerar desenvolvimento económico nes-

sas zonas.

Também Alexandra Prado Coelho alerta para a falta

de relevo que os produtores têm tido no sucesso

crescente e visibilidade da gastronomia nacional:

Numa época em que os

chefs

atingiram um esta-

tuto de estrelas, parece-me injusto que não se olhe

mais atentamente para o trabalho dos agricultores

e produtores. Felizmente, a pouco e pouco, esta ideia

tem feito o seu caminho e, se bem que ainda não

tenhamos produtores nas capas das revistas,

temos

já muitos

chefs

que aproveitam a visibilidade que

conquistaram para (…) promoverem (…) também

os produtores com os quais trabalham.

”. Com efeito,

depois de sublinhar o facto que separar produto-

res e restaurantes é um erro, a jornalista interroga-

-se sobre que estratégia existe para a promoção da

gastronomia portuguesa internacionalmente. Con-

clui que existem várias iniciativas dispersas que não

permitem uma visão de conjunto, sendo necessá-

ria uma maior coordenação e união de esforços.

Aponta ainda para a importância da transmissão do

conhecimento sobre estes temas, reforçando, em

particular, a ligação entre o que se come nas esco-

las e os produtos e produtores locais.

Estas preocupações são retomadas no artigo de

Jorge Monteiro que se interroga sobre a capaci-

dade de replicação da experiência da marca

Vinhos

de Portugal

para o setor mais alargado da gastro-

nomia, colocando diversas questões pertinentes,

depois de fazer uma resenha sobre o (difícil) cami-

nho percorrido na construção desta marca. Recorda

Slide: Flor de cardo usada para fazer coalho

Azeitão, INIA, NTLD, 1992,

Coleção do acervo do MAFDR