CULTIVAR 9 - Gastronomia

cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 9 SETEMBRO 2017 14 indissociável. Constituin- do-se como um domínio de reinvenção das práticas alimentares tradicionais, esta trilogia representa um dos eixos de valorização das produções agrícolas de qualidade e dos saberes-fa- zer tradicionais. Isto porque a valorização das potencia- lidades e recursos endógenos de um determinado espaço físico e cultural surge no âmbito da procura de soluções inovadoras e economicamente viáveis para a manutenção e diversificação da atividade agrícola familiar e para a fixação das populações. Em última análise, para o não abandono dos cam- pos. Ora, não deixa de ser interessante que essas “solu- ções inovadoras” se fundamentem em grande parte no redescobrir de velhas complementaridades entre sistemas produtivos, alimentares e culturais, que coexistiam na vida familiar e na sociedade rural e que se foram desarticulando por via dos proces- sos de terciarização da sociedade. Mas estes pro- cessos, se num primeiro tempo parecem prescindir das tradições e de todos os seus paradigmas, nomea- damente o das “carências alimentares” que caracteri- zam grande parte das tra- dições alimentares, a dado momento, fazem eles pró- prios emergir a procura por aquilo que foi abandonado. Ou seja, quando as condi- ções e o nível de vida atin- gem um “patamar de sacie- dade”, emerge a busca pelos produtos tradicionais e práticas de lazer cen- tradas no território e no seu património alimentar. Há quem procure uma cozinha de aromas ou quem privilegie o uso de produtos com uma ligação direta ao local de produção ou, se possível, uma ligação de proximidade. Esta tendên- cia manifesta-se, por exem- plo, na procura de verdu- ras frescas, pequenos frutos e todo o conjunto de hortí- colas de espécies autócto- nes. Interesse visível tam- bém através do renascer das pequenas hortas, onde se associam as motivações contemplativas com as funcionais, através da cul- tura das verduras ou outros produtos hortícolas para fins alimentares. Acresce ainda salientar que a domesticação de algumas plantas silvestres se tor- nou indispensável, não só para a proteção das espé- cies em risco de extinção através de um consumo exagerado, mas também para garantir o seu forne- cimento de forma regular. Salvaguardar quer as sementes quer os saberes agrí- colas inerentes à produção e conservação de alimen- tos, quer as práticas culinárias que os transformam em pratos apetecíveis e equilibrados é uma respon- sabilidade partilhada com as comunidades locais, visando antes de mais a preservação e a transmis- são destes saberes no conjunto daquele patrimó- nio alimentar. Por sua vez, estes produtos são eles pró- prios tributários dos recur- sos agrícolas e dos “sabe- res-fazer” locais que lhes estão associados. O agricul- tor, produtor e garante da sobrevivência alimentar da família, foi, ao longo da his- tória milenar do nosso terri- tório, adotando, adaptando e melhorando quer as varie- dades dos produtos, quer as técnicas de produção e conservação. Lutando contra a adversidade da natureza, da qual se tor- nou guardião, foi evoluindo no modo de se alimen- tar. Tudo isto obviamente consubstanciado no pra- zer dos sabores. … a valorização das potencialidades e recursos endógenos de um determinado espaço físico e cultural surge no âmbito da procura de soluções inovadoras e economicamente viáveis para a manutenção e diversificação da atividade agrícola familiar e para a fixação das populações. Em última análise, para o não abandono dos campos. O agricultor, produtor e garante da sobrevivência alimentar da família, foi, ao longo da história milenar do nosso território, adotando, adaptando e melhorando quer as variedades dos produtos, quer as técnicas de produção e conservação. Lutando contra a adversidade da natureza, da qual se tornou guardião, foi evoluindo no modo de se alimentar. Tudo isto obviamente consubstanciado no prazer dos sabores.

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