Cultivar_3_Alimentação sustentável e saudávell

cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 3 março 2016 14 resultaram perdas excessivas dos mesmos, as quais, por sua vez: (1) ampliaram as emissões poluentes de nitratos, fosfatos, gases com efeitos de estufa e pesticidas persistentes, e (2) aceleraram o esgota- mento de recursos naturais úteis, como água, solo, biodiversidade, energia e múltiplos serviços de ecossistemas. Assim, defrontamo-nos hoje com o dilema da inten- sificação. Por um lado, a redução da superfície cul- tivada por degradação dos solos ou por urbaniza- ção, os custos ambientais inaceitáveis da expansão da área cultivada à custa dos ecossistemas natu- rais que restam e a neces- sidade de aumentar a pro- dução agrícola – para fazer face ao crescimento demo- gráfico, à mudança nas die- tas nos países em desen- volvimento e à procura de matérias-primas agrícolas para fins não alimentares, como os biocombustíveis – requerem produzir mais por hectare de superfície cultivada, ou seja requerem intensificar. Por outro lado, a forma como intensificámos no passado, com base no acréscimo do uso de inputs industriais por hectare de terra cultivada, não é mais possível e/ou desejável, porque se defronta hoje com cla- ros limites. Primeiro, é necessário reduzir a pegada ambien- tal da intensificação baseada em inputs , no que se refere quer a poluição química quer a perda de bio- diversidade à escala planetária. Segundo, o melhoramento genético das plantas uti- lizado no passado parece estar a encontrar também sérios limites face ao desejado aumento da res- posta das plantas aos fertilizantes e pesticidas para aumentar a produtividade da terra, reduzir custos e controlar poluições. Estes limites têm a ver com a via seguida, no passado, para aumentar a produti- vidade da terra: concentrar a maior parte do pro- duto da fotossíntese da planta cultivada no grão, utilizando plantas com muito grão e pouca palha, e não tanto aumentar a produção fotossintética do agroecossistema no seu conjunto. Acontece que as plantas necessitam de raízes, caules e folhas, e não podem ser constituídas apenas por espiga e grão. Portanto, a poderosa via de melhoramento percor- rida até aqui está a esgotar-se, sem que tenham aparecido alternativas com igual potencial a curto e médio prazo (Brown, 2004). Terceiro, o esgotamento de recursos hídricos afeta hoje numerosas áreas agrí- colas, particularmente nas regiões mais povoadas do planeta, como a China e a Índia (Brown, 2004). Quarto, os impactes espe- rados das alterações cli- máticas na produtividade das culturas agrícolas e nos recursos hídricos, sobre- tudo em zonas que têm já hoje uma reduzida produtividade, como a África Subsaariana ou a bacia mediterrânica, lançam dúvidas sobre a nossa capacidade agrícola global no futuro. Quinto, a dependência de energia fóssil barata, induzida pelo modelo de intensificação baseada em inputs , originou uma significativa vulnerabilidade da produção agrícola face aos preços da energia, o que é particularmente relevante no atual ambiente estrutural de subida de preços da energia. Ultrapassar o dilema da intensificação implica assim produzir mais por hectare de superfície cul- tivada, sem para isso ter de aumentar a utilização de inputs por hectare, o que requer uma mudança de modelo tecnológico na agricultura. Por isso, ana- lisamos, em seguida, algumas características do modelo tecnológico vigente, em que se baseou a No entanto, a intensificação agrícola do passado foi baseada no uso crescente de inputs industriais […] favorável ao crescimento de meia dúzia de variedades de plantas geneticamente melhoradas para aumentar a produtividade da terra, as quais requerem agroecossistemas mais artificializados do que as variedades tradicionais.

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