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21 A agricultura como utilizadora de diversidade genética CARLOS AGUIAR E ANA MARIA CARVALHO Centro de Investigação de Montanha (CIMO), ESA, Instituto Politécnico de Bragança A gestão antrópica ativa de biocenoses e ecossiste- mas terrestres é muito anterior à invenção da agri- cultura. As sociedades de caçadores recoletores manipulavam em seu proveito a paisagem vegetal com recurso a técnicas tão simples como a morte de árvores por incisão anelar e a ignição intencio- nal do fogo. As clareiras abertas na floresta pristina eram colonizadas por comunidades herbáceas de plantas que, por sua vez, serviam de pasto a mamí- feros herbívoros de grande porte. No Mediterrâneo, algumas das gramíneas de clareira tinham semen- tes grandes, ricas em amido, que podiam ser colhi- das manualmente, moídas e processadas. Os solos das orlas dos bosques concentravam água e frações finas do solo procedentes das clareiras, e nutrien- tes a partir da mineralização da folhada e dos deje- tos animais. Muitas plantas de interesse alimentar exigentes em luz, água e nutrientes, tendem assim a acumular-se nas orlas dos bosques. O maneio dos processos sucessionais à escala da paisagem pelas comunidades de caçadores recole- tores aumentou o contacto com os animais e plan- tas que viriam a ser objeto de domesticação pelos primeiros agricultores, há cerca de 12 500 anos (Brown, Jones, Powell, & Allaby, 2009). A vaca des- cende das manadas de auroques que pululavam nas paisagens abertas da Eurásia e norte de África. Os ancestrais da maioria dos cereais em C 3 culti- vados 1 – e.g. Hordeum spontaneum (ancestral da cevada), Triticum urartu , Aegilops speltoides e Ae. tauschii (ancestrais do trigo-mole) ou Secale mon- tanum (ancestral do centeio) – cresciam, original- mente, nas clareiras dos bosques e matagais das regiões de clima seco a semiárido do sudoeste asiá- tico. O agregado de espécies de onde evoluíram a cebola ( Allium vavilovii e A. asarense ) e o alho ( A. tuncelianum ) tem exigências ecológicas similares. As orlas de bosque das regiões de clima tempe- rado e mediterrânico são o habitat do Pyrus pyras- ter (ancestral da pereira), Malus sieversii e M. sylves- tris (a macieira resulta de introgressões ente estas duas espécies), Prunus insititia (ancestral de várias ameixeiras cultivadas na Europa), e de leguminosas de sementes edíveis como o Pisum elatius subsp. 1 Reconhecem-se três tipos de metabolismo fotossintético nas plantas terrestres: C3, C4 e metabolismo ácido das crassuláceas (= plantas CAM). A fotossíntese C4 é vanta- josa sob duas condições ambientais: baixas concentra- ções de CO2 e/ou elevadas temperaturas, sobretudo em condições de elevada radiação. A fotossíntese C4 é vanta- josa em regiões de clima extratropical. O trigo, o centeio e aveia, por exemplo, são plantas em C3; o milho e mui- tas outras plantas tropicais são plantas em C4. As plan- tas CAM têm uma escassa relevância agrícola (e.g. catos do género Opuntia ).

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